Lições de um Traumático 2023: Narrativas Sob Análise e a nova Teoria da Relatividade

Beny Rubinstein
8 min readFeb 12, 2024

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O ano de 2023 entrará para a história como um dos anos mais desafiadores na história do povo judeu e do Estado de Israel. Como membro da liderança do Wharton Israel Club — associação dos ex-alunos israelenses de MBA na escola de negócios The Wharton School, na Filadélfia, a 6ª-feira que antecedeu o Rosh Hashaná marcou o início de uma transformação em minha vida pessoal (e de centenas de milhares ou talvez milhões de pessoas). Mal podia imaginar que em poucas semanas esta transformação seria intensificada de forma tão brusca e impactante no feriado de Simchat Torá, ocorrido durante o Shabbat.

Até o dia 15 de setembro de 2023, a rede social do LinkedIn era por mim (e muitos outros profissionais) utilizada para fins estritamente profissionais. Neste dia, ao constatar que minha “alma mater” estaria recebendo em seu campus uma lista de palestrantes com forte histórico de antissemitismo e incitação de violência contra judeus e israelenses (nem todo israelense é judeu, já que 20% da população israelense é de árabes muçulmanos), decidi iniciar uma campanha junto a demais ex-alunos da Universidade da Pensilvânia, tentando gerar uma mudança na liderança da universidade. Desde então minha conta do LinkedIn comporta, além de artigos relacionados a inteligência artificial (minha área de especialização no doutoramento) e princípios de liderança e gerenciamento de carreira (atuo como coach para executivos e imigrantes), assuntos previamente “proibidos” pelas minhas próprias regras desde a criação de minha conta: geopolítica, antissemitismo, e assuntos afins. Esta mudança comportamental pode parecer trivial para muitos, mas para mim representou uma ruptura de uma prática que segui de forma “ortodoxa” por mais de duas décadas desde que fui residir nos EUA: não “misturar” opiniões pessoais sobre religião, política e outros assuntos que frequentemente geram controvérsias com minha vida profissional. Não é minha intenção tentar provar que minhas regras e premissas sejam uma prática a ser universalmente adotada; são apenas fruto de escolhas pessoais baseadas na forma em que fui educado e em minhas vivências e experiências pessoais (sim: em um mundo que usa a palavra “bias” ou “viés” como um veneno a ser combatido, aqui vai a primeira “verdade” com a qual precisamos lidar: todos nós temos o nosso bias ou viés; nenhum de nós é capaz de ser 100% objetivo e imparcial).

É possível que o leitor esteja se perguntando: “E daí?”. Antes que me façam um ‘click’ para a próxima página da revista, encerro aqui o compartilhamento de confissões pessoais (meu “contexto”) e reflito sobre alguns mitos e realidades, além de aprendizados científicos relacionados à psicologia, à filosofia, à inteligência artificial e à inteligência “natural” (por vezes à sua ausência). Entre as mudanças ocorridas em minha vida e em muitas vidas após as atrocidades cometidas pelo Hamas em 7 de outubro está a busca mais profunda do que está por trás de tudo que observamos na superfície.

― Donald Rumsfeld, então Secretário de Defesa dos Estados Unidos, em 12 de fevereiro de 2002

Destaco duas dentre diversas constatações que talvez pareçam contraditórias ou paradoxais:

1) Tudo depende de contexto. Será? Ora, se tudo depende do contexto, então essa afirmativa depende de contexto. Logo, nem tudo depende de contexto. Esta é uma nova encarnação do famoso “paradoxo do mentiroso” (para quem não o conhece, sugiro consultar a Wikipédia ou o perplexity.ai — melhor do que o Google Search e o ChatGPT para buscar informações). No meu dia a dia em uma startup israelense que desenvolveu uma plataforma generativa para criação autônoma e otimização de sistemas de inteligência artificial, trabalho com diversas organizações — desde o maior hospital em Tel Aviv até grupos de inteligência das Forças Armadas Israelenses (IDF), o centro de pesquisas na Europa da Hyundai, e as maiores seguradoras de Israel na interseção entre ciência de dados e inteligência artificial. Trabalhando com diversos Ph.D.s no ramo, e com líderes de negócios, utilizamos nossa plataforma de otimização[1] em conexão com o “contexto” do negócio: quais são seus indicadores de sucesso, seus princípios e regras básicas? O fatídico depoimento de Claudine Gay, ex-presidente de Harvard no congresso americano em 5 de dezembro foi uma epifania. Ao ser perguntada se os protestos daqueles que defendiam o genocídio do povo judeu no campus universitário seriam uma violação das regras de assédio da universidade, Gay respondeu com um ar debochado, mas com convicção: “Podem eventualmente ser, dependendo do contexto”. Repetindo a pergunta algumas vezes mais, e ofertando a oportunidade a Gay de confirmar de forma inequívoca que advogar pela destruição total de um povo ou nação ou grupo étnico consiste em genocídio e não deveria ser aceito pelo código de conduta da universidade que presidia, Gay repetiu insistentemente, sem qualquer hesitação ou emoção, de forma clara, monótona e determinada: “Talvez, depende do contexto.” Na belíssima interpretação da parashá Va’era em seu livro “I Believe” (páginas 82–83), Jonathan Sacks z”l elabora sobre o fato de moralidade ser um conceito universal. Justiça é universal. Moisés vê um egípcio batendo em um judeu e intervém. Vê um judeu batendo em outro judeu e intercede. E vê pastores não judeus tratando mal as filhas de Yitro e intercede. Quer sejam casos entre judeus, entre judeus e não judeus, ou entre não judeus, o senso de justiça de Moisés era imparcial e universal. Notoriamente, em questões de moralidade temos mais a aprender da Torá do que da universidade de Harvard. Em 2023, o que não requer contexto e deveria ser absoluto — o direito à segurança para todos os alunos nas mais renomadas universidades americanas — foi considerado “dependente do contexto” por sua ex-presidente.

2) A história que contamos para nós mesmos define nossa identidade (cito aqui como fonte o livro de Alasdair MacIntyre, “After Virtue: A Study in Moral Theory”, já que não posso evitar críticas às minhas idéias e pensamentos, mas posso evitar plagiarismo). Existe uma forte conexão entre narrativa e identidade. A idéia do Storytelling não é inovadora; nossa história do Êxodo é contada no seder de Pessach a nossos filhos por milhares de anos. Sua relevância se dá não somente por unificar a origem de nosso povo pós-escravidão, mas principalmente pelo fato de que quando somos os personagens e não os espectadores da história passada, passamos a criar nossa própria história futura. Como disse o rabino Akiva Zweig, “Judaísmo não é um esporte para sermos espectadores; é um esporte de contato.”

[1] Context-Based Decision and Optimization: The Case of the Maximal Coverage Location Problem | SpringerLink

“Acredito que sou um personagem da história do nosso povo, com meu próprio capítulo para escrever, e todos nós também somos. Ser judeu é ver-se como parte dessa história, fazê-la viver em nosso tempo e fazer o possível para entregá-la àqueles que virão depois de nós.” — — Rabbi Jonathan Sacks Z”L, “I Believe”, página 85: “Parashat Bo, Escrevendo meu próprio capítulo”

Um dos hábitos que adotei para manter a saúde mental neste período foi focar minha comunicação em grupos de WhatsApp de tamanho gerenciável (tais como ‘think tanks’). Um deles, que chamamos de “Heróis da resiliência”, conta com uma diversidade representativa: mulheres e homens, judeus e não judeus espalhados entre várias regiões do Brasil, EUA, Israel e Portugal — porém alinhados com alguns valores e princípios. Um dos temas que discutimos frequentemente é o que leva as pessoas a adotarem narrativas como “From the river to the sea, Palestine will be free” (que basicamente prega a destruição total de Israel e do povo judeu) sem ao menos saberem que rio e que mar está sendo referenciado, e o que é e onde fica a chamada “Palestina”. De onde surgiu a conexão de estudantes americanos com a causa palestina e a simpatia pela Intifada? As afirmações contraditórias e acusações inverossímeis de políticos e jornalistas confundem e convencem espectadores a se identificarem com um causa. Mas nenhuma difamação conseguirá de fato determinar o nosso futuro (e muito menos alterar os fatos ocorridos no passado). A história do povo judeu — o povo de Israel, segundo nome dado a Jacob, um de nossos patriarcas de quem se originaram as doze tribos que viveram aqui, em Israel, há milhares de anos — é uma história de identidade e de sobrevivência.

“Se você não sabe para onde quer ir, então, qualquer caminho serve.”

— — C.W. Lewis, numa história aparentemente infantil, “Alice no País das Maravilhas”

E para onde vamos em 2024? Peter Drucker, guru em gerência, dizia que “a melhor forma de prever o futuro, é criá-lo”. Para mim, um “idealista pragmático” (menos de 5% da população mundial é classificada desta forma de acordo com um teste psicológico de respaldo internacional), estamos prontos para criar uma nova Eretz Israel em 2024, baseada em nosso passado e projetada para nosso futuro — que é ainda mais promissor com os aprendizados de 2023.

Vemos hoje a população árabe-israelense se identificando como israelense mais do que nunca. Vemos aqui judeus imigrantes como eu se sentindo mais israelenses do que nunca. Vemos israelenses seculares ou agnósticos além de judeus assimilados vivendo na diáspora que voltaram a se identificar como judeus (e um aumento no número de novos imigrantes). Vemos um crescimento muito significativo no alistamento militar de haredim e o regresso voluntário de israelenses interrompendo temporariamente suas carreiras nos Estados Unidos para defender nossa nação. Vemos hoje um novo Estado de Israel emergindo, com os mesmos valores morais, porém mais amadurecido; uma nação com tremenda diversidade de experiências passadas, porém com um senso de direção cada vez mais claro e determinado. Uma nação que entende que certos valores morais são universais. Que certas ações são simplesmente inaceitáveis e independem de contexto. Vemos emergir um povo que, compartilhando seu passado milenar, recontando sua história todos os anos às novas gerações, e aprendendo a se unir novamente no presente, se fortalece. Nenhum faraó ou antissemita será capaz de determinar nosso destino: porque esse será o futuro que nós construiremos baseado em nossa identidade e nossos valores imutáveis, com a ajuda de D-us e de aliados, e com o respaldo do nosso incrível, dedicado e resiliente Tzva Hagana Le’Israel. Am Israel Chai!

Crédito: The Jerusalem Post (A surge in haredi enlistment: Over 2,000 men to Join IDF amid war — Israel News — The Jerusalem Post (jpost.com)

Beny Rubinstein é Engenheiro de Computação graduado com bolsa por excelência acadêmica pela PUC-RJ e M.B.A. em Finanças e Gerenciamento Estratégico pela Wharton School da University of Pennsylvania. Um de seus cursos favoritos foi “Filosofia da Ciência”.

Ao longo de 2 décadas, vem se aprofundado nos estudos religiosos e espirituais em instituições como Chabad, The Meaningful Life Center e Aish Ha’Tora — e atualmente cursa um Doutoramento em Business Innovation na Universidade de Aveiro focado na criação de valor para o ecossistema de saúde através da aplicação de Inteligência Artificial às comunicações entre médicos.

Para acessar algumas palestras, visite WWW.BenyRubinstein.com

Especial para Revista Bras.il de Fevereiro/2024

Abrimos o ano com mais uma edição dedicada ao atual estado de guerra em Israel. A situação dos reféns é a mais, e cada vez mais, preocupante. Queremos todos de volta, agora! Bring Them Home é a palavra de ordem. Leia online aqui: https://www.bras-il.com/revista-no-38

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Beny Rubinstein

Founding Team Member of Microsoft Azure currently working on disrupting AI/ML through AI for Genetic Algorithms that builds AI. Startup investor and adviser.